Se a farinha pouca, Meu pirão primeiro. Este é um velho ditado, Do tempo do cativeiro. Bezerra da Silva

Sol a pino. O céu azul sem nuvens emoldurou o  primeiro domingo da reabertura gradual dos estabelecimentos comerciais da cidade de São Paulo -  dia de festa!  Por todos os restaurantes do bairro com nome de natureza: jardins -  ouvia-se o tilintar das taças - brindes à boa e farta mesa, hoje compartilhada com aqueles que há tanto não se reuniam em carne e osso. Abraços, ainda proibidos, eram simulados nos permitidos toques de cotovelos - todos riam, como se crianças fossem, alheias às sombras que circulavam mascaradas pelo recinto. Agourentas! Quase estragam o clima com seus líquidos desinfetantes e seus pedidos de " por favor mantenham a distância"!  Afinal, estavam ou não ali para servir?  

Mas voltemos aos comensais. Ah… Casais em seus mais belos trajes fartavam seu paladar  com os mais apurados sabores. Olfatos empapuçados dos aromas dos temperos do além mar - especiarias vindas de outras terras quase que para reverenciar tão nobre momento - a chegada do fake normal , a saída triunfal dos que podem saborear o quase fim do imposto distanciamento social - culpa da tal pandemia. 

E por falar em pandemia, voltaram ao salão as agourentas sombras - pelo menos dessa vez traziam as bandejas repletas de novas delícias. As alvas luvas lhes caíam bem - quem sabe a moda pega e o adereço passa a fazer parte do uniforme? Assim como nas teclas do piano, há uma certa nobreza e harmonia na justaposição das cores: ébano e marfim, já cantava Paul Mac Cartney  no século passado -  Ebony and Ivory living  in perfect harmony.  Interessante  aqui atentarmos  para as cenas do videoclipe em que Paul canta e toca um piano enquanto um homem  negro encarcerado dança ao som da música dentro de uma prisão estadunidense. Mas não falemos mais de mazelas, estragam o apetite... Pensar? Prefiro comer!   

As calçadas que davam acesso aos restaurantes estavam abarrotadas. Duas filas ali se formavam: em uma aferia-se a temperatura corpórea, condição para entrada aos estabelecimentos. Na outra, corpos festivos saíam já satisfeitos do recinto, empapuçados da sofisticação eurocêntrica dos menus servidos aos comensais na região. Com seus corpos altivos e suas máscaras de grife, mulheres seguiam alheias à presença  quase invisível das mãos que alinhavavam a base de seu estilo de vida, costurando, cozinhando, limpando, acalentando. Servindo.

Do outro lado da calçada a babá se abaixa. Ajusta a máscara do herói-morcego no rosto rosado da criança  que grita:  batman! Em sua direção atravessam  mãe e sua prole de pretas sacolas plásticas cheias de balas de goma e mantimentos -  "é preciso vender para comer, tia", diziam em voz alta. 
O vai e vem dos mascarados parece anunciar o carnaval -  festa democrática onde todos se revelam em fantasias criativas. Ledo engano!  O evento é a pandemia. No salão a música vem dos cristais que tilintam mais uma vez em brindes alienados - as máscaras escondem bocas mas não ocultam a seletividade dos corpos e nem os olhares abertos para a discriminação. Ver? Parece que preferimos não enxergar.

autores: Vanessa Meirelles e Paulo Ramos


Receita de Pirão à Baiana

Ingredientes
3 tomates maduros sem pele
2 cebolas médias
1 pimentão vermelho sem pele
200 ml de água
5 dentes de alho amassados
50 ml de azeite de oliva
sumo de 3 limões galego
2 colheres (sopa) de coentro natural
2 colheres (sopa) de cebolinha verde
2 colheres (sopa) de salsinha
colorau a gosto
sal e pimenta a gosto
250 ml de leite de coco
2 colheres (sopa) de azeite de dendê (opcional)
1 xícara (chá) de farinha de mandioca média

 

Modo de Preparo

Em um liquidificador bata os tomates, a cebola, o pimentão e a água

Numa panela funda, coloque o molho batido no liquidificador e acrescente o alho, a pimenta do reino, o azeite de oliva, o sumo dos limões, o colorau, o coentro picado, a cebolinha picada, a salsinha picada, o leite de coco e o azeite de dendê

acerte o sal e leve ao fogo mexendo bem até levantar fervura

Adicione a farinha de mandioca aos poucos em forma de chuva, mexendo sempre até desgrudar do fundo da panela

Não deixe o pirão ficar grosso

Se necessário acrescente mais água quente

Cozinhe por uns 5 minutos

Sirva em seguida acompanhado de uma boa caldeirada de peixe

Tempo de preparo
30 MIN