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As imagens utilizadas nesta matéria foram reproduzidas do Pequeno manual que a Secretaria Municipal da Mulher lançou nesta sexta-feira |
Nem só de confetes e alegria se faz o carnaval. Beliscões, puxões de cabelo, beijos forçados e outras abordagens violentas costumam ser frequentes na maior festa popular do mundo. Durante os dias de folia, os abusos se repetem em todos os polos, diante de todos, protagonizados pela truculência masculina e aguçados pelo uso excessivo de álcool e outras drogas. Apesar da aparente "normalidade" - pela frequência com que acontecem -, tais atos configuram contravenções e até mesmo crimes. O Diario procurou especialistas em violência contra a mulher para traçar um pequeno guia de bom comportamento para os homens e orientá-las sobre como e onde denunciar.
Não é não: beijo forçado, puxar pelo braço e tocar no corpo é crime
A cena é comum, seja numa ladeira qualquer de Olinda ou à noite num polo do Recife: uma mulher passa, com amigas ou sozinha, e logo é cercada por um grupo de homens. Para ser “liberada” precisa beijar um, às vezes todos eles. Em alguns casos, é possível sair ilesa mas em tantos outros o beijo é a única opção. Enquadrada como estupro, dependendo do caso, a abordagem pode render até 10 anos de prisão.
“Quando a mulher está dizendo não, é não mesmo. Nada forçado é bom e é preciso despertar essa consciência. Quer beijar? Peça, diga que quer. Se ela não aceitar, passe para outra”, indica o coordenador do projeto Homem, Saúde e Violência de Gênero do Instituto Papai, Sirley Vieira que atenta ainda para o fato de que não só o beijo é considerado agressão.
“A pessoa lhe tocar de forma desrespeitosa, seja como for, é agressão. Os homens precisam ter consciência que isso é machismo, é violência, e que as mulheres devem ser respeitadas. Não tem que agarrar no braço, passar a mão, abraçar à força. O que é forçado, não é permitido, está errado”, explica o especialista, que também reflete sobre como atitudes assim são naturalizadas e incorporadas como artimanhas de um comportamento machista.
“Aproveitar a multidão para passar a mão, roçar nos seios, pôr a mão dentro da roupa, usar pistolinha d'água para molhar a roupa, são formas da cultura machista que muitos homens não se dão conta que é assédio. Muitos fazem sem sequer considerar isso”, diz.
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"Se tá difícil de entender, a gente desenha!", propõe a campanha da Prefeitura do Recife |
Este tipo de comportamento, além de inconveniente, caso deixe marcas no corpo, por exemplo, pode ser enquadrado como lesão corporal, cuja pena pode chegar a três anos de reclusão. Em alguns casos, as abordagens ainda podem ser consideradas estupro. “Beijos roubados, assim como toques, puxões, beliscões, são tratados como importunação ofensiva ao pudor, uma contravenção cuja pena é multa ou serviços comunitários. Dependendo das circunstâncias, no entanto, o caso migra e pode ser interpretado como estupro. Se há violência, agressividade e um instinto sexual pode migrar sim para o estupro”, esclarece a delegada assessora do Departamento da Mulher, Marta Rosana. Nesses casos, o
melhor é procurar ajuda.
Sexo sem consentimento é estupro
A mulher passou o dia inteiro acompanhando o homem. Beijos, amassos, brindes e desejo. Na hora H, no entanto, ela declina, não quer fazer sexo e deixa isso claro para o parceiro, que nem sempre aceita.
“Os caras acham que porque a mulher topa ficar com ele, beijar, abraçar e ela bebe demais não tem o direito de recusar. Se ele bancou bebida e alimentação dela, por exemplo, é ainda pior e mais uma vez recorre à ideia machista de que 'se estou pagando, ela tem que ir até o fim.' Isso é inadmissível” aponta Vieira que lembra que ainda que, em alguns casos, o próprio homem droga a companheira.
“Se ele está usando de um artifício para que ela perca a consciência em si, perca a noção de controle para que possa fazer o que quiser, é estupro também”, esclarece.
Questão de gênero
A relação entre gênero, sexismo e a violência frequente no carnaval se evidencia não só nas abordagens que têm contato físico ou abusos sexuais. A agressividade contra os homossexuais, sobretudo contra casais de lésbicas e o comportamento do homem na hora do sexo – como a recusa ou mentiras na hora de usar preservativo – também são aspectos relevantes.
“Essas questões estão sendo mais debatidas e discutidas, mas da mesma forma que há uma propagação maior desses pontos de vista existe também quem resiste e tenta usar argumentos para dizer que isso é besteira, invenção, coisa da esquerdista e outros termos utilizados para justificar agressões”, comenta o coordenador do projeto Homem, Saúde e Violência de Gênero do Instituto Papai.
Sirley Vieira, que cobra o envolvimento de todos na luta contra a violência contra a mulher, acredita que quanto mais denúncias e punições são realizadas, mais forte fica a luta em defesa dos direitos das mulheres.
“Um recado aos homens que não cometem esse tipo de violência é que fiquem alertas. Apoiem as mulheres, sejam suas companheiras, mães, irmãs, filhas ou amigas. Ou mesmo pessoas desconhecidas, se presenciar alguma agressão denunciem”, pede o especialista, que também faz um apelo aos homens abusadores. “Pensem duas vezes porque as leis existem. É melhor evitar que isso venha acontecer e ter um carnaval alegre, com diversão. Vocês podem se relacionar de formas muito mais sadias”, diz.
Publicado originalmente em 05/02/2016 por Maira Baracho - Diario de Pernambuco - Título original "A paquera é liberada mas o assédio é crime, inclusive no carnaval".