Com expectativa de receber mais de 5 milhões de foliões em 2019, o Carnaval de rua de São Paulo consolidou-se como um dos maiores do país, superando até as folias de Salvador, em público, e do Rio, em número de blocos. Na esteira desse fenômeno, ocorrido ao longo desta década, surgiram blocos como Tarado ni Você, Casa Comigo e Domingo Ela Não Vai que arrastam multidões pelas ruas da capital paulista.
Para evitar tumulto, miniblocos mudam horário de desfile e evitam divulgar roteiro no guia oficial
Segundo a prefeitura, um recorde de 516 blocos pediram permissão para organizar 556 cortejos em 2019. No ano passado, foram 433 pedidos. A maioria deles arrasta até 5.000 pessoas. São os chamados 'miniblocos', muitas vezes organizados por amigos ou vizinhos que, com o apoio das redes sociais, convidam mais um punhado de gente para curtirem a folia juntos.
Boa parte desses blocos nem faz muita questão de ser grande um dia. É o caso do Sorria, Monalisa, agremiação montada por moradores do Edifício Louvre (daí o motivo do nome Sorria, Monalisa), residencial idealizado nos anos 50 pelo arquiteto Artacho Jurado na avenida São Luís, região central de São Paulo.
O desfile de 2019, marcado para a tarde de terça-feira, será o terceiro do Sorria, Monalisa, que orgulha-se de ser o "maior menor bloco de São Paulo". No ano passado, cerca de 60 pessoas participaram do 'cortejo', que saiu da recepção do prédio, atravessou a Avenida São Luís e terminou em frente ao restaurante Paribar, na praça Dom Gaspar, que fica em frente ao Louvre. Distância total: míseros 150 metros.
— Neste ano, se a gente receber 100 foliões já vamos ficar super felizes, mas queremos continuar pequenos. Este é um bloco de vizinhos que se organizam pelo WhatsApp. A ideia do Sorria, Monalisa é ser um esquenta para os demais blocos — diz o publicitário Lucio Caramori, de 41 anos, um dos criadores do bloco, cujas cores das fantasias são rosa e azul em homenagem às cores do Louvre paulistano.
O som é mecânico e a trilha sonora inclui axé, música brasileira e marchinhas.
Alguns dos miniblocos mantêm a condição intimista já há algum tempo. É o caso do Bloco do Fuá, que nasceu há sete anos a partir da ideia de um grupo de afiliados ao Sindicato dos Radialistas de São Paulo, cuja sede fica no Bixiga, tradicional região boêmia no centro da capital paulistana.
Por decisão própria dos integrantes, o bloco não está na lista oficial de blocos da prefeitura. O motivo: não concordarem com o que consideram ingerências inapropriadas do poder público, como transferir o bloco para longe do Bixiga, como alegadamente quiseram no passado.
A divulgação do cortejo deste ano, que saiu no domingo à tarde, da rua Conselheiro Ramalho, no coração do Bixiga, em direção ao teatro Oficina, foi exclusivamente pelas redes sociais. O tema do desfile, assim como em ano anteriores, foi político. — Somos um bloco inclusivo e com letras de cunho social — diz o radialista Marco Antônio Ribeiro, de 57 anos, um dos criadores do bloco.
As 15 marchinhas do Fuá, todas com alguma crítica ou ironia política, foram criadas ao longo dos últimos meses em sessões musicais no bar e centro cultural Al Janiah, mantido por refugiados sírios e palestinos no Bixiga. Por lá também foram confeccionadas as alegorias do trio elétrico, decorado com dezenas de bocas com a língua para fora para remeter à ideia de "botar a boca no trombone".
Ligação com os bairros
O vínculo com associações culturais de bairros é forte em boa parte dos miniblocos de São Paulo. É o caso do Cordão da Cecília, que circula há dez anos pelas ruas do bairro Santa Cecília, na região central. O bloco surgiu de artistas e produtores culturais instalados na Associação Cultural Cecília, uma espécie de coworking cultural sediado no bairro desde 2008. A ideia era resgatar a tradição dos cordões carnavalescos que circulavam pela região no início do século XX, com grupos de percussionistas mascarados precedidos por um estandarte.
Ao longo dos anos, o Cordão da Cecília foi ganhando popularidade em grande medida pela Banda Periculina, que anima os foliões com marchinhas clássicas de carnaval. O desfile neste ano, programado para a tarde de sábado, atraiu cerca de 5.000 pessoas. Foi um recorde para os padrões do Cordão Cecília, apesar da concorrência de grandes blocos nos arredores, como o Tarado ni Você, e da forte chuva, insuficiente para afastar os foliões.
— A gente já desfilou com carrinho de som montado em cima de um Fusca e até mesmo numa máquina de tear, visando o menor custo possível. Desde 2018, investimos num trio elétrico para dar conta do crescimento do bloco — diz João da Terra, 37 anos, um dos cinco sócios da Associação Cultural Cecília envolvidos na organização do bloco.
No meio disso tudo, há espaço para agremiações recém-nascidas que sonham em, um dia, arrastar multidões pelas ruas de São Paulo. É o caso do "Na Manha do Gato", criado em setembro de 2017 com o intuito de trazer ritmos do carnaval nordestino como frevo e axé à capital paulista.
Um dos organizadores do Na Manha do Gato é o produtor cultural pernambucano Gilberto Moraes, de 37 anos, mais conhecido como Gil Show. Antes de mudar-se à capital paulista, há dois anos, Moraes trabalhava na produção do Galo da Madrugada, auto-intitulado 'maior bloco do mundo' por atrair mais de 2 milhões de foliões anualmente ao centro do Recife no sábado de Carnaval.
A influência pernambucana fica evidente na produção do Na Manha do Gato. O bloco, que desfilou no domingo à tarde pelas ruas da Santa Cecília, tinha como alegorias principais as sombrinhas multicoloridas do frevo e bonecos gigantes como os de Olinda. A música ficou por conta da cantora Marlene Andrade, que havia cantado no Galo da Madrugada no dia anterior, e que animou os mais de 2.000 foliões.
— Queremos crescer e virar um grande bloco como os melhores do Nordeste -- diz Moraes.
Foliões aprovam público menor
— Blocos muito grandes não são divertidos, não da pra brincar — afirma a nutricionista Daniela Fulguires Pereira, de 34 anos. — O pior são os blocos de artistas, ficam lotados, as pessoas não se fantasiam, não entram no clima do carnaval.
Ela aprovou o desfile deste ano do “Cerca Frango”, bloco formado por ex-estudantes da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da USP que desfila pelas ladeiras de Pompeia. Mais uma vez, neste ano, o bloco antecipou seu horário — a concentração desta vez foi às 9h de terça-feira, contra o período da tarde tradicional do bloco, e conseguiu, para muitos, manter o clima de “bloquinho” que é o seu charme.
— Esse é um bloco de amigos, quase todos se conhecem, ou são amigos de amigos. Esse é o nosso espírito — afirmou André Alves, de 29 anos. — todo mundo vem fantasiado, essa é a brincadeira.
Embora São Paulo cada vez mais entre no roteiro dos super-blocos, de artistas renomados e com multidões em seus cortejos, parte dos que fizeram o ressurgimento do carnaval de rua paulistano lutam contra “as dores do sucesso”.
Ao descentralizar o carnaval, a prefeitura ajudou neste processo. E os blocos paulistanos estão mais foçados em determinadas “tribos”.