Memória Em Pedaços - Bixiga

Há várias maneiras de contar a história. Uma delas, no entanto, privilegia o olhar do cidadão comum. É nessa categoria que se enquadra "São Paulo - Memória em Pedaços", série de quatro documentários (...).

Concebido como um conjunto de dez programas sobre bairros tradicionais, "São Paulo - Memória em Pedaços" ecoa na televisão uma tendência que ganha espaço nos museus de história oral e nos livros dedicados a reconstruir a vida cotidiana de outros tempos.

A realização é das repórteres Neide Duarte e Maria Cristina Poli, com o apoio financeiro do banco Sudameris, que deverá distribuir cem cópias dos programas para escolas e bibliotecas.

Por enquanto, serão exibidos quatro episódios: Brás, Bexiga, Mooca e Ipiranga. Para 98, estão prometidos outros seis: Santo Amaro, Freguesia do Ó, Jardim América, Barra Funda, Liberdade e Bom Retiro.

Em cada bairro, transformações gigantescas -arquitetônicas e populacionais- ocorreram neste século. Um dos exemplos mais gritantes está no Brás.
Entrada de imigrantes europeus, local de fortíssima colonização italiana, o Brás foi demolido em um quinto para a construção da avenida Radial Leste, nos anos 50.
Cinemas tradicionais, como o Brás-Politeama, foram destruídos ou viraram estacionamentos. Coreanos, judeus, bolivianos e nordestinos fazem a nova realidade do local, nas centenas de lojas populares que se espalham pelo bairro.

Pouco sobrou do início do século, denotando a vertiginosa degradação do que poderia se tornar patrimônio histórico em todo o território paulistano.
Uma parte dessas sobras resiste na documentação da Hospedaria dos Imigrantes, no Brás. São fotos e documentos de famílias vindas de Itália, Espanha, Alemanha, Japão etc. Famílias como a do aposentado Alfredo Castagna, 88, que vive hoje na Mooca.

Ele é um dos muitos imigrantes que contaram o que viram e viveram a Duarte e Poli. Os relatos trazem à tona alguns fatos que ficaram obscuros na memória da maioria dos paulistanos.

A greve de 1917, a epidemia de gripe espanhola em 1918 e a revolução legalista de 1924, por exemplo, tiveram um impacto forte nas populações do Brás e da Mooca.

Muitos morreram doentes ou executados, famílias tiveram casas saqueadas e operários invadiram o moinho que produzia a farinha de exportação para a Europa durante a Primeira Guerra Mundial.

A cidade ainda guarda revelações: o italiano canta sem culpa o hino fascista, espanhóis mostram sua admiração por Francisco Franco e, na versão mais paulistana da cantina, o cantor de tarantela é japonês e o dono, português.

Original em https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1997/11/07/ilustrada/8.html

Memória Em Pedaços - Bixiga

Memória Em Pedaços - Bixiga

Há várias maneiras de contar a história. Uma delas, no entanto, privilegia o olhar do cidadão comum. É nessa categoria que se enquadra "São Paulo - Memória em Pedaços", série de quatro documentários (...).

Concebido como um conjunto de dez programas sobre bairros tradicionais, "São Paulo - Memória em Pedaços" ecoa na televisão uma tendência que ganha espaço nos museus de história oral e nos livros dedicados a reconstruir a vida cotidiana de outros tempos.

A realização é das repórteres Neide Duarte e Maria Cristina Poli, com o apoio financeiro do banco Sudameris, que deverá distribuir cem cópias dos programas para escolas e bibliotecas.

Por enquanto, serão exibidos quatro episódios: Brás, Bexiga, Mooca e Ipiranga. Para 98, estão prometidos outros seis: Santo Amaro, Freguesia do Ó, Jardim América, Barra Funda, Liberdade e Bom Retiro.

Em cada bairro, transformações gigantescas -arquitetônicas e populacionais- ocorreram neste século. Um dos exemplos mais gritantes está no Brás.
Entrada de imigrantes europeus, local de fortíssima colonização italiana, o Brás foi demolido em um quinto para a construção da avenida Radial Leste, nos anos 50.
Cinemas tradicionais, como o Brás-Politeama, foram destruídos ou viraram estacionamentos. Coreanos, judeus, bolivianos e nordestinos fazem a nova realidade do local, nas centenas de lojas populares que se espalham pelo bairro.

Pouco sobrou do início do século, denotando a vertiginosa degradação do que poderia se tornar patrimônio histórico em todo o território paulistano.
Uma parte dessas sobras resiste na documentação da Hospedaria dos Imigrantes, no Brás. São fotos e documentos de famílias vindas de Itália, Espanha, Alemanha, Japão etc. Famílias como a do aposentado Alfredo Castagna, 88, que vive hoje na Mooca.

Ele é um dos muitos imigrantes que contaram o que viram e viveram a Duarte e Poli. Os relatos trazem à tona alguns fatos que ficaram obscuros na memória da maioria dos paulistanos.

A greve de 1917, a epidemia de gripe espanhola em 1918 e a revolução legalista de 1924, por exemplo, tiveram um impacto forte nas populações do Brás e da Mooca.

Muitos morreram doentes ou executados, famílias tiveram casas saqueadas e operários invadiram o moinho que produzia a farinha de exportação para a Europa durante a Primeira Guerra Mundial.

A cidade ainda guarda revelações: o italiano canta sem culpa o hino fascista, espanhóis mostram sua admiração por Francisco Franco e, na versão mais paulistana da cantina, o cantor de tarantela é japonês e o dono, português.

Original em https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1997/11/07/ilustrada/8.html