Uma réstia de sol bate no cantinho da varanda. Refúgio caloroso na manhã de sábado. O olhar observa os passantes. Mascarados, mas nem todos. Aqui no Bixiga muitos trabalhadores não tiveram suas rotinas mudadas e os botecos continuaram saudando a homens ansiosos, impedidos de ficar em casa, ávidos do papo com seus companheiros, não importa se pra falar da vida alheia ou de futebol, da carcomida política do país ou o preço da comida no mercadinho ao lado que não para de subir.
Vozes na janela. Corro ao alpendre. Eu a conheço. O corpo reagiu rápido, matreiro, esperançoso.
Percorri a distância lembrando das cenas dos encontros passados.... uma reunião do bloco de carnaval numa roda de samba na praça Roosevelt, a rodinha dos tomadores de cerveja e fumantes ávidos por um alivio do cotidiano. A conversa sobre política ao pé do ouvido, o sopro refrescante da lua alta, a risada fácil naqueles lábios. Numa outra noite estava forte e bravo, inconformado por mais uma desocupação feita em meio à pandemia e ouvi sua voz entristecida ao ler seu relato num post.
Vozes percorrem caminhos longinquos. Vozes nos acompanham.
Cheguei na varanda, olhando para a rua a procura do amigo, dono da voz. Procurei, procurei e nada.
Era no prédio em frente . Era de lá que falava um senhor, caloroso, ao telefone. Era ele, mas não era ele. Não era o amigo. Mas, na varanda era como se meu amigo estivesse ali. Fiquei ouvindo a conversa sem escutar. Prestava atenção no ritmo, na variação de timbres, nas paradas e respiros.
Era a saudade.
A saudade dos encontros.... das trocas de calores e humores .... do fazer parte. Confinamento de corpos, de desejos, produtor de não sonhos.
A saudade me mantém viva.
Rose Almeida